Nos últimos meses, tiver que ir a Curitiba a trabalho e, tendo morado em Florianópolis e viajado por algumas capitais, posso afirmar que: quanto mais saio de casa, mais tenho certeza de que só quero morar em Londrina. Talvez não dure muito, mas ir a pé ao mercado sem medo, o clima estável – apesar de quente -, os amigos de uma vida inteira, o céu limpo e as rotas de bicicleta. Poucas coisas aqui me dizem não.
Sempre que penso sobre isso, me lembro de Paterson, de 2016, e seu motorista de ônibus que escreve poemas. E abro aqui alguns parênteses: (motorista que escreve poemas. Não quero ser mais do que algo assim. Marido, pai, amigo, cidadão – que escreve poemas. Vejo aí uma distinção enorme. Tenho medo da palavra artista. Minhas pretensões mundanas me mantêm ancorado à certeza de que a mim bastam as alcunhas simples. Acredito no poder da palavra e temo pelo dia em que ouse me chamar de algo mais do que só algum Lucas.)
Meus planos são a longo prazo e os espaços realmente não têm neles tanto poder quando poderiam. Mas, recentemente, num surto de austeridade, resolvi reorganizar meu escritório e me dar o espaço de que preciso para ter tempo para mim mesmo. Meus maiores desafios há muito tempo são o medo de afirmar qualquer coisa e a angústia que me vem ao pesquisar mensalidades de colégio particular.
Não passaremos dificuldades, no que disser respeito a uma vida digna, mas meus luxos se resumem ao que gostaria de prover aos meus filhos. Não imporia a eles intercâmbios nem cursos de piano clássico, mas sentiria que venci na vida se lhes pudesse dar, além do amor que cabe a todos os filhos, o que precisam para alcançar seus próprios sonhos. A ironia é que, por medo de ousar eu mesmo, talvez projete nas crianças ainda não nascidas a vontade de sonhar os sonhos que eu não tive coragem de sonhar.
“E se saírem mundanos como eu?”, me pergunto. “E se meu exemplo não for suficiente?”. “E se eles precisarem mais de inspiração do que de disciplina?” É certamente o meu caso. Ouço de colegas, amigos e familiares que me faltam ambição e coragem. A bem da verdade, poucas foram as vezes em que me arrisquei. Se num jogo de tabuleiro meu perfil é comedido e tático; na vida gosto de pensar que não seria diferente. Mas não precisava me ater de tal maneira à personagem. Aqui, não conto pontos nem resolvo uma derrota com uma série de decisões que sou capaz de avaliar. Se erro na vida, vejo as consequências como absolutas. Me arrependo ao invés de com elas buscar aprender.
Talvez meu apego à cidade muito tenha deste medo que divido entre tempo, espaço e projeções pessimistas. Se me preparei até aqui, por que continuo a sentir como se não estivesse preparado? As horas no dia são poucas para quem se propõe a contar – mas sobram quando olho para trás e percebo que ontem tudo o que fiz foi procrastinar ao fazer planos, calcular e premeditar futuros improváveis.
“Não temos pouco tempo, mas desperdiçamos muito.” – É o que diz Seneca em Sobre a brevidade da vida. Me pergunto, me questiono e me critico por diversos planos que nunca saíram do papel – porém não me arrisco a tirá-los de lá. Por medo? Comodidade? Maus hábitos que não me proponho a mudar.
E os hábitos mudamos da forma mais simples de todas: colocando outros em seu lugar. Se, pela manhã, instauro uma hora do dia em que devia escrever, talvez devesse era ter começado o dia a rabiscar.
Muitas páginas que escrevo não servem senão para que, anos à frente, eu as leia e sinta o prazer vazio mas recompensador de sabê-las escritas. Quantas páginas nunca serão publicadas e quantas mais não me caberia compartilhar? Alguns axiomas me custam verbalizar, como por exemplo o fato de que, se escrevo, mesmo que para mim, o intuito é ter aquelas palavras lidas. Se existo, o objetivo não é outro senão o de verdadeiramente estar ali.
Me podei das redes sociais, de círculos vazios e de sonhos fúteis – mas no caminho, talvez tenha me tolhido a capacidade de simplesmente estar ali. Admito que meditar é das atividades que mais custo a assimilar na vida. Não que não tenha espasmos contemplativos e até meditativos, contudo nunca o suficiente para que eu mesmo os sinta tão valiosos quanto verdadeiramente são. E não se trata de uma questão meramente interpretativa, mas de um vício daquele que anseia sempre por uma trilha com projeção de um final melhor e de resultados que possa quantificar.
Quando falo de Londrina, talvez fale na verdade do único espaço em que, um dia, mesmo que brevemente, eu soube estar – total e completamente. Os espaços afinal não são para qualquer outra coisa senão para ali estar. Daí que me encantam as figuras do monge, do porteiro e do pai. Estão. Definem os espaços tanto por sua presença quanto pela ausência. O pai que não está é tão presente quanto o mais amável que assiste ao teatrinho de fim de ano. O monge que existe é tão presente quanto o que inexiste. Tão simples e absoluto é o poder do exemplo e da palavra.
Se algum dia eu soube o que seria do futuro, esqueci de me contar. O problema é que o mesmo se deu para o presente e então me restou remoer os erros do passado. E nele, o que ainda não pude superar é o de não ter estado ali quando era tempo. Se hoje tenho um objetivo, não é só o de estar amanhã em Londrina. É o sonho de, independentemente do espaço que o futuro me reserve, estar aqui – agora.
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