Joana acordou com o barulho da menininha correndo pra casa e deparou-se com um objeto estranho dentro de si.
— Joana, aconteceu? — Inquiriu Joana à vizinha.
— Ora, Joana, mas é claro! Que mais seria? Eu, hein, finalmente... — Respondeu Joana, com dois quês de inveja e um de sarcasmo.
"Finalmente!", pensou, Joana, "Enfim minha ampulheta! Pena que não pude ver bem a carinha dela..."
E, no mesmo momento, uma jovem lhe assusta trocando a ampulheta por uma nova.
— Mas já? — Perguntou Joana a sua vizinha.
— Mas é claro que já, Joana, parece que não presta atenção às coisas. — Respondeu, não sem logo em seguida completar em silêncio "Fosse eu a escolhida, os pedidos da menina já teriam se realizado..."
E, com o virar da noite, Joana pensava naquele objeto sem propósito, sujo de areia por dentro, sem compreendê-lo. Nem sequer conseguira prestar atenção no que lhe dissera a menina ao depositá-lo dentro de si — mas na floresta das Joanas a coisa seria sempre a mesma coisa: casamento, príncipe, filhos... Joana gostava de imaginar a pequena pedindo-lhe para navegar ou visitar as estrelas, quem sabe.
De manhã, de repente, Joana percebera sua vizinha ausente. "Mas ora, onde foi que se meteu aquela árvore?"
— Psiu!
— Ora...
— Psiu! Aqui!
E ao atentar-se bem, percebera logo ao seu lado um jardim e uma casa, singelos, mas agradavelmente belos.
— Tcharã! Virei casa! — Disse a ex-árvore.
— Mas desde quando isso? — Perguntara-lhe Joana.
— Afe, Joana, parece besta. Desde sempre!
E com esta resposta Joana pusera-se a pensar sobre a ampulheta dentro de si. Será que era demasiado distraída ou todas as outras árvores também sentiam assim? E, num susto, avistara uma pequena criatura a arrastar outra não-tão-muito-maior consigo.
— Vem, vó! Quero pedir um barco enorme e um canhão e um monte de piratas!
— Calma, Joaninha, que a vó vai devagar. E vê se não vai atirar com esse canhão muito tarde da noite!
— Ah, vó! Vou ser pirata, vou fazer o que eu quiser!
E Joana, então, naquele instante, contemplara a lápide de Joana, não muito distante de seu caule, com os dizeres "Mãe, avó, sonhadora."
— Ah, Joana, minha vizinha querida... me parece que não consegui realizar os pedidos da nossa xará... Joana? — A casa já não estava mais lá.
— Hora...
Às árvores, sentir o tempo é como descrever as cores.
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A brincadeira funciona assim: Beatriz me dá quatro elementos ou regras, e eu tento fazer algo com isso. Essas foram as 4 regras da vez:
1 Árvore
2 Ampulheta
3 Terceira pessoa
4 Todas as personagens se chamam Joana Algum Lucas
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