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PRO TONSORIS LEGATO - Um conto

  • Foto do escritor: Algum Lucas
    Algum Lucas
  • 7 de dez. de 2023
  • 3 min de leitura

Originalmente publicado no Jornal RelevO, em 2018.

PRO TONSORIS LEGATO

A queda do léxico que tanto preconceito consigo porta, tantas guerras urbanas suscitadas diariamente, semana após semana, ano após ano, quanto sangue a ser evitado, ó Pai Nosso, Napoleão, fossem os homens das letras, desde o início, filhos teus. Tu, deidade com a qual tomamos a liberdade de nos referir quase que informalmente, que sempre foras tão solidário e tolerante, dentro dos limites — mais que da Razão! — da Língua Portuguesa, que não é senão da latina a evolução — amen. Tu, muso nosso, inspira-nos o argumento que daqui em diante desvelar-se-á e afasta-nos de toda impura variação idiótica que ao codex da língua mater não obedece — amen.


"Fostes, caro amigo, ao cabeleleiro?" Apostamos que nem o leitor mais atento fora capaz de notar nesta sentença a incoerência. Pois eis o léxico maldito, que, há séculos, já, o nobre cidadão assola. Nossa tese será doravante apresentada de modo a estabelecer, primeiramente, os motivos sociais da mudança; e, em seguida, consistirá da explicitação da incoerência gramatical e etimológica do vocábulo; para, enfim, ilustrar aos caros leitores, a situação modelo — a utopia que trazemos!


Cabeleireiro. Esta perniciosa armadilha fonética — e etimológica! — mostra-se um — se não o! — dos maiores males da cultura brasileira contemporânea. E nossa missão, aqui, apesar da odisseia periclitante que se revela no horizonte, é simples: não só aboli-la, mas ressarcir a civilização lusófona pelos prejuízos por tal calão causados. Antes que se apresente a alternativa proposta, mostrar-vos-emos, sem piedade, o Mal em sua forma mais pura.


Quantas compilações não há, na internet — por piedade, Pater Nostrum, perdoai-nos os barbarismos heréticos, assim como nós perdoamos aqueles que nos têm-nos repetido —, de fachadas que ostentam a palavra cruel, ortograficamente incorreta. Quanto sangue mais é preciso a este pagão ritual que desestabiliza a unidade do povo lusodescendente?! As contendas que já presenciamos... haja querelas para satisfazer a sede de carnificina daqueles que tal conciliábulo conspiraram!


Basta! Eis, à mostra, para todos, eternizadas nestas humildes palavras de ascetas napoleônicos — d'O Verdadeiro Napoleão! —, as provas irrefutáveis da incomensurável e fastidiosa construção léxica que — tal qual a vil manigância que é! — disseminou-se, pestilenta, por entremeios irresponsáveis dos falantes da Sacra Mater. A começar pelo abandono dos étimos latinos tonsor e ornatrix, tragédia que a esta altura já não se pode remediar, o uso da terminação -eiro, em cabelereiro — perdoe-nos o engodo, todavia cabe a lição: não acredite nos sortilégios de seus olhos, leitor, creia que os fonemas não mentem —, é incorreta.


Explica-se: -eiro, a ser denominador de função, ofício, métier — louvado seja o Galicismo! —, cabe somente ao que tem por profissão o feitio de cabeleiras. Ora, igualar a Genoma todo aquele que cabelos penteia é heresia Capital. E mais: o respeito às origens prescreve a utilização do sufixo -dor, que tantos verbos humildemente substantiva. Ora, vejam: não uma, mas duas — e a virtualidade de infinitas mais! — palavras então nascem. De holística beleza e regularidade o verbo "cabelar", que não só o pentear de cabelos, como também o manufaturar de perucas — por que não? — pode referenciar.


Sabemos o impacto que trazem consigo as palavras, pois são as únicas que verdadeiramente omnia sua secum portant. Nasce, urbi et orbi, "cabelador". O cabelador e a cabeladora são aqueles que, da mais sensível madeixa ao mais liso cocuruto, estão aptos a intervir — por vezes heroicamente! Imaginem só a utopia lusófona de viver num mundo em que se lê nas placas dos salões: "Cabelador" ou "Aqui prestam-se serviços de cabelaria para homens e mulheres" — e mais uma surge! é um ímpeto beático, incessante jorro de vida num quase assassinado idioma!


Não há mais a ser dito. O léxico diz tudo. Levantai-vos, falantes, os verdadeiros lexicógrafos, e não mais subjugai-vos às delusões desta inverdade que por anos se fez presente em nossas vidas e em nossa Língua — que nossa vida faz, nossa vida é! Levantemo-nos, com a benção do Pater Nostrum, e em uníssono vociferemos "Cabeladores cabelam cabelos"! Pois é esta a verdade do que são e do que fazem! Cabeladores cabelam cabelos! Purgai com a verdade aquela à qual tudo devemos, e não nos deixei cair em falha virgulação! É o fim do sermão, acólitos do Pai, Vírgulas, Sintaxe que amamos tanto — amen!



Algum Lucas

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