EX NUNC, um romancete - 9ª Sessão
- Algum Lucas
- 2 de mar. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 21 de abr. de 2020
9ª Sessão
Oi, como vai? Tudo bem, tudo bem... Mais ou menos, na verdade. Mais pra menos que pra mais... Você já vai entender... Tão aqui os papéis que trouxe essa semana... Então... bom, tirando o ruim já de cara, eu fumei um cigarro (só um cigarro mesmo), mas pra chegar aí, preciso te contar tudo o que aconteceu.
Depois da sessão da semana passada, eu tava animadão e tal e tudo o mais, todo pimpão, me achando o cara mais foda do mundo (às vezes faz bem) e resolvi bater aquele papo com a Júlia. Ela tava em casa vendo a novela no meu quarto, a gente tava na cama e tal, fui tentando aquela aproximação e tudo o mais... Pei! "Tila mão, eu quelo vêl a binha dovela, bibibi, bóbóbó." E, assim, quando ela quer, não tem negociação, mas quando sou eu (ah!), aí é desrespeito. Faltavam dez minutos pra acabar a porcaria da novela e a revista tititica da minha mãe tava na mesa da sala com o que ia acontecer, já. É muita frescura isso. Ao menos se tivesse lendo um livro, algo mais sério, substancial, sabe? Edificante mesmo. Agora, pra que assistir essas porcarias que você já sabe o final? E ainda ficar toda irritadinha de eu me sentir atraído por minha própria namorada! Ah, é de foder mesmo, viu.
Enfim, aí eu tentei mais um pouco, ainda com um sorriso no rosto, meio de brincadeira mesmo, pra ao menos ela já ficar aquecida quando a novela acabasse e tal, mas não deu bom. Acabou a novela, ela levantou, andou uns segundos de um lado pro outro, olhando pro chão, pensando e tal, eu tentei uma piadinha aqui e ali, perguntei se tinha alguém mexendo um laser pra cá e pra lá, porque nunca vi gatinha tão perdida assim... (quando somos só nós dois, essas piadotas bobinhas têm seu charme, sabe?...). Nada. Zero reação. Nem rir de embaraço ela riu. Foi aí que comecei a ficar preocupado. O foda é que o pau já tava duraço. Tava foda pensar. E com a parada toda do cigarro eu queria extravasar, sabe? Aí eu me irritei e perguntei qual era, se tinha ofendido minha namorada por ter tesão nela e tal. Como você pode imaginar, não foi uma boa ideia...
Já começou assim: "Tô pla ti falal isso há um tempo, lá — a lente plecisa telminal." Tava deitado de ladinho, até sentei. Fiquei putaço. "Qual é, Júlia?! Tá me tirando agora? Eu faço tudo por você, tudo o que é mimo, todos os seus caprichos eu aturo, e agora quando quero ficar com você, você me vem com essa?! Ah! Qual é?!" Aí ela despirocou a falar que não era isso, que não era de hoje, que relacionamento não é troca de favores e serviços e que a gente já pensa muito diferente e tudo o mais. Mas me diz aqui: que que é relação então? A menina me tirou do sério aquele dia (quase mandei à pqp), mas mantive a corte (tem que ser maduro nessas horas, né?). "Olha aqui, Júlia, se a senholita não tá plepalada pra dizer a verdade, nem comece. Vai dizer agora que a culpa é minha — logo eu! que acabo de parar de fumar, que venho melhorando dia atrás de dia! Não me venha com essa, que eu tenho cara de trouxa, mas não sou palhaço! Fala a verdade logo, porque tô perdendo a paciência com esses joguinhos. Se precisar de ajuda em algo, se tiver com alguma insegurança e tudo o mais, me conta, que eu te ajudo, tô aqui pra isso! Mas desculpinha assim, não! Se quer me foder, me beija, pô!"
Nisso ela meio que sentou, apoiou o rosto nas duas mãos, começou a chorar. A essa altura eu já tinha levantado da cama, pra meter o dedo na cara dela (já que só tava podendo ali...) no meio do furdunço. Fui "me aprochegando" dela de mansinho, porque a coitada já tava soluçando e tal, mas foi só relar a mão nas costas dela (pra fazer aquele gesto de apoio emocional, da passadinha de mão nas costas e tal, sabe?) que me mandou sair de perto. Levantou e, chorando mesmo, voltou a andar de um lado pro outro dizendo que eu era um merda, que ela não sabia como era possível a gente namorar, que eu era um verme imprestável que só bota a culpa nos outros, que a coisa toda do cigarro é "só mais uma estratégia minha pra responsabilizar o mundo pela minha merdice" ou coisa do gênero (merdice ela não deve ter dito, mas foi algo nessas linhas aí). De todo modo, o importante é que ela acabou dizendo que eu era igualzinho ao meu pai. Ah, mas aí eu fiquei puto de verdade. Puxei ela pelo braço, pra mostrar quem é que manda mesmo, sabe? Porque, se o bom moço tá ruim, ela vai ver o mau. Me ofender assim de graça, ah, ela que vá se foder. Mas ainda mantive a compostura. Só segurei forte pelo braço mesmo, com ela de frescura falando "me solta, me solta, você não ouse" blá, blá, blá, blé, blé, blé. Aí falei que na hora de ofender ela é toda corajosa, né?, mas, na hora de ouvir a verdade, pula fora. Aí perguntei na cara dela qual era o problema. Se tava me traindo, se tava pensando em, se, na verdade, ela tá com problema em casa e os pais tão botando alguma pressão e tal.
Mas ela insistiu que era pra eu soltar e tudo o mais, que "o que eu tinha pra dizer eu já disse, agora me solta ou eu vou gritar", aí eu enchi o saco e larguei dela, mandei pegar as coisas e desbaratinar, ir pra casa pensar, que hoje a gente conversava. Ficou olhaninho pro pulso delicado, como se fosse grande coisa, não ficou nem vermelho o negócio. Pior ficou minha mão, que ela apertou com a unha (ó, aqui, como tá. Feio, né?). Ah... e foi isso, aí hoje a gente vai ver qual é e tal...
O que? Ah! É verdade, contei tudo isso pra chegar no problema real — então, o cigarro: aí ela saiu voando, sem dar tchau pros meus pais mesmo, porque ela é fresca e nunca dá (não que eu ache que eles — o Pai, especificamente — mereçam, mas alguns valores a gente tem que ter, né?), e, vupt!, era uma vez. Nem tentei ligar, nem nada, porque acho bom dar um tempo pra pessoa pensar no que falou, sabe? Daí, peguei um cigarro do Pai na sala, fui na janela da cozinha e fumei com ódio (acho que numas três, quatro tragadas, se bobear). Até que, de repente, eu me liguei: "Olha o que essa menina tá fazendo comigo! Não vou deixar meu progresso ir embora por causa dela! Quem ela pensa que é?!" Nisso, veio a mãe pela porta e quase começou a chorar "meu filho! mas eu pensei que você tinha parado!", falei "vai se foder, sua velha chata do caralho, por isso que o Pai não te aguenta!" e ela abaixou a cabeça e saiu. Nessas horas, fico sem paciência com gente burra, sabe?
(Eu sei que isso soa mal, não sou preconceituoso, mas) mulher às vezes é foda. Essa sensibilidade é exagerada demais. Parece que não deixa a pessoa pensar, sabe? Primeiro a fresquinha, porque não quer transar, começa a inventar mil coisas e a dizer que sou eu o problema, que eu sou um merda e blé blé blé (parar de fumar não é pouca bosta, não, filha! Me respeita!). E, depois, me vem a outra, na cozinha. Vê o filho fumando e a primeira coisa que diz é "achei que você tinha parado" — ah! você vá se foder, crente lazarenta! Nem um "poxa, filho, você tá bem?" ou coisa parecida, acham que a gente é máquina. Homem não é tão sensível, mas também tem sentimento, pô! Eu, aqui, dando meu melhor, lidando com um puta problema, sabe?, e sempre fazendo questão de estar ali pra ela, de respeitar, dar flores, levar pra jantar. Eu lembro todas as datas, as porcarias dos signos e tudo o mais. Fiquei de saco cheio disso, de não ser respeitado nem em casa, sabe?
De repente me aparece o Juninho pela porta, de fone de ouvido, abre a geladeira sem interagir comigo, pega um Yakult porcaria lá, fecha a geladeira, e simplesmente vai saindo como se eu não tivesse ali. Gritei "faz algo da vida, moleque imprestável!" Achei que não ia ouvir, mas só ergueu a mão assim, de costas mesmo enquanto saía, e mostrou o dedo do meio. Como eu tava de saco cheio e queria silêncio, fui e sentei do lado do Pai na sala, que tava vendo canal de pescaria e (admito) fiquei respirando fumaça.
Sei... E desculpa ter saído num frenesi aqui hoje falando, mas essas coisas me deixam puto da vida, sabe? Pra mim é uma questão de respeito, de pensar no outro, entende? Mas enfim, se pra elas não, que vão se catar, as duas! Hoje a Júlia deve vir pedir desculpas e a gente conversa e fica tudo bem e tal. Amor é foda, mas faz parte, faz parte... fazer o que, né? A gente ama, tem que aguentar. Tô pensando também em até pedir desculpas pela bolinação toda durante a novela e tal, às vezes era um daqueles dias, ou cólica e coisa e tal (sempre tem dessas, tem mês que é foda). Essas coisas eu nunca lembro mesmo (mas ninguém é perfeito, né?). De todo modo, obrigado pela paciência hoje, foi bem catártico. Bom ter alguém com um mínimo de sensatez pra te ouvir quando o mundo parece que tá de sacanagem com você. Ah, e tá aqui o cheque. Brigadão, viu? Até semana que vem, acredito que com melhores notícias.
Anexo: Poema que Zé trouxe à 9ª Sessão

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