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EX NUNC, um romancete - 8ª Sessão

  • Foto do escritor: Algum Lucas
    Algum Lucas
  • 27 de fev. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 21 de abr. de 2020

8ª Sessão


Bonjour, comme ça va? Brincadeira, como vai? Vou bem obrigado. Eu? Falo nada, só tiro onda de françois. Por que a risadinha? Quer um cigarr—opa! não tenho, perdon! Hablê françoá é tranquilê. Tô poliglota hoje, de tanta animação. Não fumei nem uma vez na última semana, acredita? Pois dessa vez é verdade, nem uminha sequer. Comprei flores pra Júlia, levei no meu restaurante favorito e depois no motel, namorado cinco estrelas aqui. Pô, foi ótimo, ela adorou, finalmente admitiu que o restaurante é foda, primeira vez que fomos achou ruim o atendimento, mas dessa vez foi magnifique. Peguei uma suíte egípcia, porque não tem sexo mais cristão e bem quisto por deus do que fazer l'amour num quarto temático de uma civilização massacrada pelos romanos (e eu sei que eles não eram cristãos ainda, mas não me estrague a piada; na televisão, meu público nem vai perceber).


E então, sobre o que falaremos hoje? Sobre o fato de eu ser um ex-fumante, um magnífico mozão ou o Machado de Assis dos comediantes? Ah! E falando nisso, já, aproveitando, tá aqui o meu devê de casê. Você vai ver, tentei não deixar tão na cara, mas você sabe como é, a arte não tem como não ser um pedaço de nós, né? Quem diz que não com certeza tá mentindo. Mas aqui, os textos ficam entre nós, né? Porque tava querendo juntar vários pra um dia lançar tipo um compiladão, sabe? Soltar um livro, talvez. Coisa de bem mais pra frente, mas já é bom ir pensando nisso.


Enfim, vamos lá, já enrolamos demais, do que quer falar? Belezura, então vamos lá. Eu me sinto como se tivesse conquistado o mundo, como se pudesse tudo. Tem um poema aí que fala disso. Nunca pensei que vencer o cigarro seria assim tão fácil. Claro que levou um mês (quase dois, né?), mas a coisa toda entrou nos trilhos. E acho que o legal disso é perceber como tudo na vida foi meio que melhorando junto, sabe? Como se o cigarro fosse a origem de todos os problemas, aí já fui direto lá e cortei o mal pela raiz. Ah, pra ser sincero, eu acho que não. Dizem que o mais difícil é mesmo o início, e, se essa é a parte difícil, o restante vai ser moleza. Una semanê é tampes pra dedê.Foi bonita a cena, ainda mais com a Júlia assistindo: peguei os maços de cigarro, levei até a pia e chuá, chuáááá, foram-se embora. Ela ficou orgulhosa, isso foi logo antes de sairmos. Ela queria conversar antes de sairmos pra jantar, mas aí pedi pra esperar e fiz isso com os maços. Depois ela nem disse nada, tenho certeza que fui salvo pelo gongo ali, que ela tava perdendo a fé em mim.


Isso foi no dia do combinho jantar/motel mesmo, foi um baita dum dia pra mim. E agora, completando dez dias que tô sem fumar, a coisa tá ficando boa, tô ansioso pro futuro. Depois de muito, muito tempo, me vejo esperançoso, sabe? Esses dias me peguei pensando até em prestar um concurso que sai esse ano, pra promotoria, já que esse sonho de ser artista tem sempre que ser levado meio paralelamente, né?, e eu queria sair de casa, conquistar minha independência e ter um espaço só nosso, meu e da Júlia. Depois da semana passada fiquei prestando mais atenção à mãe (tadinha), e como é triste ver... No fim, não dei aquele abraço, porque o Pai tava na cozinha quando cheguei e já começou a ser agradável com um "chorou muito, pititiquinho do papai?" Aí preferi nem falar nada e só sair de perto.


Resolvi que não precisava me importar e fui sentar pra escrever mesmo e tudo o mais. Pensando um pouco, percebi uma coisa sobre o negócio do cigarro: eu odiava o cheiro do Pai, quando era pivete. Odiava Ele e o cheiro d'Ele. Aquela fumaça asquerosa na mesa de jantar. Quando Ele se irritava com a mãe (tadinha), fazia questão de fumar na mesa e soltar a fumaça bem na cara dela, enquanto ela botava comida na boca. Sabe o que é o pior de tudo isso? Que me lembro de várias e várias vezes em que a gente ria, o Pedro, o Juninho e eu. O Pai se achava o maioral nessas horas (bom, não só nessas horas, mas você entendeu). Aí, quando me toquei disso, parei pra pensar em como Ele mudou, nos últimos anos. A mãe (coitada) é nova, uns vinte e poucos a menos que o Pai (e dessa vez não tô fingindo que não lembro, eu não tenho certeza mesmo, viu?), então ela nem chegou na menopausa direito e Ele já tá meio senil. Aí tem dias que, quando tá se sentindo meio pra baixo (imagino), resolve humilhar a mãe (ô, infelicidade) dizendo que sem Ele ela não era nada, que tinha que agradecer a deus por Ele não ter separado dela, que se ela acha o cigarro ruim, não sabe o que é morar na rua, e por aí vai. Mas, em contrapartida (olha que interessante), só esse ano já peguei Ele chorando umas duas vezes pela casa, fumando à noite no sofá da sala, e também já ouvi choro no chuveiro, um dia que o deles tava queimado e precisaram usar o meu. Não, não, pera lá, soou errado: eles não tomam banho juntos, não (deus me livre!). Ouvi os soluços e o gemido mesmo, parecia um koalinha chorando (já viu o vídeo do koalinha chorando? É horrível, no início dá dó, mas em cinco segundos você enche o saco e acha mesmo que o bicho tem mais é que se foder — foi assim que me senti quando ouvi o Pai chorar no banho).


Ah, pra falar a verdade, não acho que era uma pena do tipo "ó, criaturinha infeliz, pobrezinha, coitadinha", era mais do tipo "meu deus, que deprimente, vira homem, seu velho escroto". Hã? Como assim? Hm... interessante, não tinha pensado por esse lado, realmente: parece mesmo algo que Ele diria. Mas que bom, então, que beba do próprio veneno, o desgraçado! Não me preocupo muito com isso não, pra falar a verdade. Eu quero mesmo é que Ele morra logo, acho que tem mais é que fumar. Tá bem que o cheiro e a fumaça do cigarro pela casa não ajudam muito, mas é um motivo a mais pra eu ficar longe d'Ele (e ainda tem o plus de ser uma desculpa nobre — nobilíssima até, eu diria). A mãe? (Tadinha...) Ela tá adorando me ver sem fumar, quando contei pra ela, foi rezar na hora. Eu falei "mãe, não precisa rezar pra deus, é graças à senhora que consegui". Ela nem ouviu (ou fez que não ouviu), já tinha ido rezar lá no cantinho dela e agradeceu a deus por essa família abençoada e o caralho a quatro.


Não acho que eu seja esdrúxulo sempre que a questão aparece. É que, assim, de certa forma, o humor é um mecanismo de defesa, né? E meio que, como toda arte, ele sempre é um pedaço de nós, mas não acho que seja uma maneira de me esquivar de algum "verdadeiro problema". Meu problema mesmo é o cigarro. Claro que o Pai não ajuda, mas não vejo n'Ele a origem dos meus problemas atuais, muito menos dos futuros. Diferente d'Ele, eu levo a Júlia pra sair, trato com respeito, sou cavalheiro, presto sempre atenção quando ela resolve contar os melodramas das amigas dela e a montanha de besteirol de novela que ela adora. Isso e muito mais. Não só fomos no meu restaurante favorito, no final de semana, como ainda peguei uma suíte egípcia pra ela, que adora essas baboseiras de meditação e mandala e tudo o mais. Mas você vai ver quando ler os textos que te trouxe, vai ficar claro como me sinto. E, me prometo que, daqui em diante, vou provar que tão errados aqueles que acham que eu não consigo. E ainda que (olha que lá vem!) se um dia inventarem uma máquina do tempo, volto na época do colégio, nunca começo a fumar e, de quebra, ainda arrebento a cara do Pedro Couto e taco-lhe a vara na Ana Maria Paixão! (Puts, perdão, acho que me deixei levar pela empolgação aí, não era bem nesses termos, mas você entendeu...) Obrigado, até semana que vem. Ansioso pra saber o que achou dos textos. Ôrrevoar!


Anexo: Textos que Zé trouxe à 8ª Sessão




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