6ª Sessão
Pois é... Boa tarde. Então... eu tava animadão na última sessão, poxa, mas hoje tô caidaço... É que a coisa toda desandou, sabe? Eu tava no meu limite aquele dia, quando chegou a noite, aí desesperei, pensei até em sair pra beber alguma coisa, meio que pra me permitir fumar indiretamente, sabe? Aí não deu, e eu cedi... É frustrante, sabe? Porque depois que você cede uma vez... ah... Enfim, cedi outras e outras e outras... Minha rotina virou ceder ao cigarro. E o duro é que nos primeiros dias eu não só tava cedendo como tava fumando ainda mais. Quase o mesmo tanto que a minha pior época da faculdade, logo antes de conhecer a Júlia, sabe?
Como era? Pô, não era nada grave, sabe? Mas eu meio que tentava levar. Minha estratégia foi fazer amizade com a menina mais insegura e comunicativa que encontrei e sempre reforçar que não queria nada com ela. Isso me dava credibilidade e contatos gratuitos. Aí eu só seguia a infeliz de um lugar pro outro e tava tudo ok. Eu tinha "amigos" com quem ir a festas, tinha companhia pra reclamar da vida, dos professores, etc. Ah, era sossegado, chegamos a dividir a cama até, mas eu não me interessava muito por ela não, pra falar a verdade. E na época nem sabia que ela era gay, eu realmente não dava a mínima. Ela queria atenção, eu queria aceitação, funcionava. Pra mim era facílimo: piadinha pra cá, piadinha pra lá, a historinha do Zé e acabou, éramos amigos, eu e sei lá quem fosse. Volta e meia eu bebia de graça, meia e volta alguém bebia às minhas custas e ficava tudo certo. É, gostar eu não gosto, mas jovem é jovem né? Beber e fumar é praxe, é pra isso que serve a faculdade na cabecinha das pessoas (e me incluo na lista), porque estudar eu não vi ninguém estudar muito não.
Até tinha, sim, mas a bolsa não pagava nada e ela e o pessoal dela não tinham bolsa. Um ou outro tinham que trabalhar, mas no geral eram como eu, na vida mansa. É engraçado que naquela época eu nem sequer pensava que era possível parar de fumar. O cigarro é quase como andar de moto e usar all-stars, sabe? Se você não tem personalidade, arranja um desses que uma vem pronta. Tem o cara machão do Marlboro vermelho, o quarentão jovem com all-stars de botinha, a galera da Harley, e por aí vai... A minha? Então, naquela época era meio "niilista-excêntrico-nada-é-sagrado-vamos-profanar", mas a verdade é que eu gosto dos mentolados mesmo. Não sabe? Pera, deixa eu tirar um aqui (e não se desespere, não vou acender, é claro). Tá vendo? Tem uma bolinha de sabor aqui dentro, aí você estoura e é como fumar um chiclete de menta, um chiclete de menta dez vezes mais caro e cancerígeno, mas um chiclete de menta "nonetheless". Nossa, pensei uma aqui, se importa se eu anotar? "O cigarro mentolado é a união do inútil com o desagradável." Tá aí a punchline, falta pensar o build-up só, mas acho que vai ficar bom. Então, o negócio do inglês é complicado, porque a gente consome da gringa, consome da gringa, e quando chega a hora de fazer parecido aqui, toda a terminologia é importada, e aqui no Brasa essa coisa toda de inglês pega mal, soa arrogante, só pode espanhol mesmo, mas aí é foda, porque, afinal, quem fala espanhol?
Ah, venho escrevendo umas piadas sim. Tava pensando em meio que montar um show temático, sabe? Mas eu fico vendo show de gringo e nada daquilo vende muito bem aqui. Pessoal gosta de piada de peido, misoginia, racismo... E não que eu ache problema de fazerem piada com isso (se for ver ainda sou um pouco como era na faculdade), mas acho que fica repetitivo. E depois ainda tem o mimimi. Não, não, claro que não, mas acho que piada é piada, papo sério é papo sério. Eu, por exemplo, tenho vários amigos negros, meu irmão era gay e tal. Olha a Jandira, por exemplo, a gente se dá super bem. O problema pra mim é mesmo essa coisa de ninguém entender o que tá por trás das palavras, sabe? Assim, não que eu seja um mega gênio que desvenda todos os sentidos subliminares e tal, mas, poxa, tem piada que claramente só tá brincando com o preconceito das pessoas e não faz mal dar uma risadinha, né não? É, isso é, também não ajuda, isso eu preciso admitir. Mas a gente também tem que resolver tudo, agora? Vou ter que, por exemplo, parar de falar essa ou aquela palavra pra sei lá quem que eu nem conheço não ficar "tistin"? É muito mimimi, né não?
Bom... é, se for pensar por esse lado é irônico, realmente, porque quem tá na terapia reclamando da vida sou eu... É, mas esse exemplo não é muito bom, também, porque comparar o abandono de uma palavra com os problemas reais da vida vai deixar tudo meio mimizento mesmo. E nesse caso talvez seja só mais fácil não falar a bendita da palavra e pronto. Mas, no meu caso, por exemplo, como posso pedir pra sociedade parar de me impor o que ela quer? Cruzes, esse silêncio, ainda bem que tô olhando pro teto agora, tô me sentindo um adolescente reclamando da vida. "A vida é muito injusta, meu! Odeio papai e mamãe, pedi um all-stars roxo — não azul, meu!" Tá bem, tá bem, acho que preciso admitir que o mimizento sou eu, pelo jeito. Mas aí, poxa vida, parece que eu não tenho o direito de me sentir mal, sabe? Porque sempre vai ter gente pior, com menos grana, mais um X, mais melanina etc. etc. Tudo bem que os meus problemas são menores, se comparados, mas eu não posso também ignorar o fato de que são os meus problemas, posso? Ah, o X é daquele papo dos cromossomos e tal.
E falando nisso, como eu posso esperar que alguém se compadeça dos meus problemas, se tem gente apanhando aí de bobeira na rua? Eu não tenho pretensão nenhuma de ser um justiceiro social humorístico, muito menos mais um cuzão desses, com programa de TV. Aí eu venho aqui e parece que toda semana a conclusão é a mesma: o problema sou eu, o problema sou eu. E essa é a pior parte, sabe? Quanto mais eu penso nisso, mais eu me sinto culpado de me sentir insatisfeito, porque, se parar pra pensar, eu tenho tudo, mas na verdade não tenho nada do que eu quero.
Deus me livre, não quero nem me olhar no espelho quando chegar em casa, a cara deve tá que é só espinha, tenho dezesseis ano de novo... Enfim, essa semana tá complicado. E quanto mais complica, mais eu tento me convencer de que o cigarro vai descomplicar, sabe? Antes eu fosse viciado em academia ou rede social. Pensando bem, melhor cigarro que rede social, prefiro me sentir um merda, como tantos outros, por natureza, do que um cocô, por comparação (e dá-lhe escatologia!). A gente ainda tem tempo? Porque se eu fizer umas duas piadas com minoria completo a ficha de humorista do ano. (Eu devia mesmo é tentar a televisão...). Ai, ai... e aí? Putz, estourei o tempo já e nem percebi, perdão. Até semana que vem. Ah, por que dois? Esse é o mentolado que te mostrei, mas em público eu só fumo esse Light, porque no imaginário coletivo o mentolado é coisa de — cacete, e eu achando que precisava me esforçar pra conseguir... Sou mesmo um merda inato.
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