5ª Sessão
Olá, bom dia! Hoje, tô animadão. Tá aqui o cheque. Bom, vamos lá: é estranho isso de ter passado mais de uma semana entre uma sessão e outra, mas é bom porque me deu tempo de salvar quando a água bateu no pescoço. Pra você ter uma noção, ontem eu não fumei nem um cigarrinho sequer! Nem ontem nem quarta! Tinha me esquecido completamente da ideia, mas aí, na terça, quando me liguei da sessão, resolvi me comprometer com o negócio. E deu certo, foi mais difícil e mais fácil do que eu pensava que ia ser, ao mesmo tempo. Mais difícil porque eu nunca conseguiria imaginar o que ia sentir, mas mais fácil porque foi gratificante pra ca-ra-lho. Sério, nem na formatura me senti realizado assim. Agora tenho certeza de que consigo parar, sabe?
Ah, e falando nisso, acabei a leitura do livro, finalmente. É bom, em. Há muito tempo que não me identificava assim com uma personagem — e eu sei, eu sei, ler tudo pra se identificar não é isso, mas é aquilo, blá blá blá, Otávio, ok. Mas foi bom demais. No final, é isso mesmo, ele não consegue parar de fumar, mas começa a escrever um livro que na verdade é meio que o livro que a gente tava lendo, sabe? Bem louco, plot twist, achei muito original. É quase como se o cara tivesse sonhando e, de repente, pei! toma na sua cara, leitor, era o livro que ele tava escrevendo e aí não sei o que é real e o que não é e tudo o mais.
O que mais? Ah, deixa eu ver... como assim "paralelo"? Tipo, outras coisas, além do protagonista, com as quais me identifiquei? Pô, acho que a relação dele com a namoradinha e tal, meio de ser completado por uma pessoa melhor e tudo o mais. Sinto também que a Júlia é minha parte boa, sabe? Mas, tadinha, dá dó pensar assim porque isso significaria que eu sou parte dela, e ela, por conseguinte, é uma merdeira. Brincadeira, brincadeira, tô testando essas piadas de autodepreciação e tudo o mais, dão muito certo na gringa, mas acho que aqui não cai muito bem. Não sei também se é questão de interpretação de texto, que aqui as pessoas não conseguem entender que é brincadeira, ou se é só porque preferem mesmo histórias de campeão e tal, meio síndrome de colônia — eu chamo de síndrome de segundo lugar.
Putz, falando nisso, cheguei em casa semana passada e fui pesquisar que foi feito da Ana Maria Paixão e da Vitória, você não vai acreditar. A Paixão tem (se segura) quatro filhos, já. Exatamente, você não ouviu errado: qua-tro-fi-lhos. Ela tem a minha idade, cara, como é possível isso? Pelo que entendi, casou e largou a faculdade e daí em diante é só brincar de casinha. Fiquei em choque, a descrição que ela se dá é "mãe do x, do y, da z e do x júnior". Como pode, né? Ia ser médica e blá blá blá, desistiu pra fazer nutrição e daí desistiu de novo pra nutrir nenezinhos. A Vitória, por outro lado, do que eu falava da síndrome de segundo lugar, virou modelo fitness e tudo o mais. Só tem foto dela se fodendo na academia lá e com a barriguinha mega sarada de fora. Ao menos isso fica bem no meu currículo: "ex-namoradinho da FitVit" ou coisa do tipo. Ê, lasqueira, ao menos aí tá um bom motivo pra ter sido sempre um cara mediano, sabe? Nunca me cobrei de nada, e com a coisa toda de ter a vida fácil eu só vou caindo pra cima e fica tudo bem. Mas por que diabos a gente tá falando disso? Não tenho a mínima ideia de como vim parar aqui.
Ah, sim, verdade. "Minha narrativa", adoro esse termo. Mas, respondendo à sua pergunta, acho que sim, sou bastante privilegiado porque não me fodi quase nada na vida e tudo o mais, mas sou um fodido porque tenho que sair fazendo esse monte de merda aleatória pra só poder me dedicar à comédia como hobby, sabe? Mas acho que você tá no caminho certo mesmo, talvez só tenha me apegado a isso porque quero algo que considere mérito meu. Porque, nisso, ou eu sou bom, ou não sou nada, não tem meio termo. Quer dizer, tem aquele programa de sábado à noite, mas não dá nem pra chamar de meio termo, coitados. E tem uma galera boa lá, o problema é que a grana fala mais alto, aí tem que fazer comédia pra massa mesmo. E o resto a gente já sabe.
Não diria que sou "da massa", não. Pô, para pra pensar, eu li um livro semana passada, ninguém lê. Sou praticamente um intelectual. Eu me formei na faculdade sem comprar meu TCC. Pros padrões atuais, sou praticamente um cientista de foguetes. Ah, mas antes que eu me esqueça, aproveitando que ainda temos tempo, tem a história do irmão da Júlia que queria falar semana passada. Pelo jeito foi aquilo mesmo, mas não deu em nada. Conversinha aqui, conversinha ali, hoje ele tá armando um churrasco à noite e é isso aí, só alegria. A menina saiu do curso e a vida é bela. Sei que é clichê não gostar do cunhado e tudo o mais, mas como é que pode, né? Sei que não dá pra botar só nas costas do cara, porque a família toda e pelo visto o pessoal todo da faculdade são um bando de merdas, mas, puta que me pariu, como pode ser frio assim? É desumano esse negócio. E ainda foi ela quem teve que sair... enfim, não quero mais falar dessa história. A Júlia reclama e tal, mas também não vai lá e denuncia, não tenta ajudar a garota nem nada... Eu já não falo mais nada também, porque aí sobra pra mim e quem vai ter que deixar o emprego sou eu e bola pra frente...
Mas enfim, sugere algo que você queira saber. Tô agitado hoje, mas quero sugestões de pra onde ir, o que fazer, em que pensar e tudo o mais. Ah, boa pergunta. Eu acho que dessa vez eu consegui porque vejo razão pra parar, sabe? Vindo aqui, tenho a sensação de que, bom, ao menos eu me importo. Não que antes pensasse que era mal-amado ou coisa do tipo, só que agora vejo que é possível melhorar, venho sentindo os resultados do que falamos aqui e tal, e acho que esse empurrão era fundamental pra eu conseguir me controlar, sabe? Claro que é foda (quase impossível) não fumar com o cigarro ali do lado, mas, assim, a Júlia ficou super feliz de me ver progredindo e eu mesmo quebrei um mito que tinha pra mim de que era impossível ficar sem cigarro e tudo o mais. Me senti cometendo uma afronta, sabe? Sei que soa bobo à beça isso, mas foi como me senti: rebelde. Enfim rebelde, depois de anos de conformismo. Perdão ficar rindo sozinho, mas acho tudo isso tão bobo. Achar que parar de fumar seria impossível e tal, olhando agora muito mais parece que era só uma estratégia pra me manter ali, fumando, sabe?
Pô, que bom que você pensa assim também, porque a gente acaba criando essas teorias próprias, bem holísticas e tal, e esquece que foi a gente mesmo que inventou, né? Mas, poxa vida, como tô feliz hoje. Duro é que fumei um cigarro logo que acordei, mas acho que vou segurar até o fim do dia. Imagina eu conseguir segurar até terça? Putz, não quero prometer nada, mas tô animado, acho que valia tentar. Que que você acha? Tá bom, tá bom, vou pensar aqui e terça te conto então. Obrigado mesmo por hoje, gostei muito do que disse e acho que vai ficar martelando na minha cabeça essa cosia de criar meus mitos e tudo o mais. Deve ter tanta coisa que eu inventei moleque e ainda devo seguir sem pensar que dá até medo. Mas enfim, já deu a hora, obrigado mesmo, e até semana que vem (ou melhor, até daqui uns dias, né?).
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