4ª Sessão
Oi, boa tarde. Puts, me desculpa mesmo — e você nem pra me avisar, em? Não precisa ter vergonha, não, pode cobrar, eu fico aqui falando e pensando no que a gente conversa e completamente me esqueço de te deixar o cheque, perdão mesmo. Tá aqui o de hoje e esse é o da semana passada. Eu nem me lembro direito do que a gente falou, mas com certeza não foi do Haroldo. Parece que eu tô revivendo o colégio todo outra vez. É pleonasmo isso, né? Enfim, eu quero que se foda. Ah! Lembrei, Dona Josi, na semana passada, não é? Aquela velha safada não tirou a merda do aviso ainda, acredita?
Nossa, só agora parei pra pensar, você não é de religião nem nada do tipo, né? Porque eu falo palavrão pra car—à beça. Perdão, é que essas últimas semanas eu tô descontrolado mesmo. Mesmo? Bom, que bom então, vou soltar o verbo como se não houvesse amanhã e xingar deus e o mundo, hoje. Enfim, esquece a Dona Josi, porque a velha é chata, mas não é o Haroldo. É quase como um Pedro Couto versão casado e com filhos, o filho da puta.
Tô ali, sossegado, esperando a vida passar, dando aquele bisbilhotê nas fotê que acabei de recebê no meu celulê, cê sabe como ê... "Ih, ó o Zé no celular, só nas mulézinha pelada, aí! Divide cos colega!" Aí... bom, aí fodeu. E não porque eu tava vendo foto de mulher pelada no trabalho nem nada, se fosse isso era só mostrar ali, falar "gostosa" blá blá blá, blé blé blé, e acabava o alvoroço. Fodeu porque eu tava era vendo uma lista de comediantes gringos, buscando uma inspiração pra já escrever umas piadas ali no trabalho mesmo, entendeu? Mas aí, puts, aí não teve jeito. O Haroldo pegou o telefone da minha mão e era só foto de quarentão com barriga de chope. Dá até desânimo de lembrar... Bom, aí foi isso, pareceu o colégio de novo. "Ah, seu veadinho, curte um macho peludo, é? Kakakaka", e foi só histeria. Meu trabalho parece um pesadelo, não tenho mais condições de lidar com esse tipo de coisa. E isso que eu não passo metade do que rola com a Rosa e com a Jaque.
A Rosa, embora pelos motivos errados, parece que ao menos gosta dos elogios e tudo o mais, porque, com o perdão da palavra, ela é uma quarentona realmente gostosa, é assustador. Mas aí, pela idade e pelo cargo, todo mundo acaba respeitando e a coisa fica só no elogio. Com a Jaque, não, coitada. Só o Haroldo já deve ter chamado a infeliz pra tomar uma umas quinze vezes. E a desgraçada tem que sorrir. O dia inteiro lá, se fodendo naquele telefone, resolvendo problema de todo mundo, pra ganhar mal e ainda ter que aguentar o verme do Haroldo. E o doutor Luiz sabe, finge que não vê, mas acha graça. No fim, são todos uns filhos da puta, essa é a verdade. Até eu — tudo bem que não ajudo, mas também não interfiro, faço que não vi. E a menina ficou noiva esses dias, e, ao invés do desgraçado dar parabéns ou coisa do tipo, o Haroldo me solta um "dependendo do dia, posso ir na sua despedida de solteira" — se um cara desses não é profissional da escrotidão, eu não sei quem mais pode ser.
E o menino novo já tá todo enturmadinho lá, na asa do Haroldo ainda, voltaram de uma ida ao bar semana passada já chamando o verminho de Tripézinho, que logo arredondou pra Pézinho. Tenho até medo de perguntar o motivo. Ai, ai... perdão meu desânimo, eu só não aguento mais essa vida porcaria. Esses dias fui comer um lanche com a Júlia e, quando pediram meu nome, respondi "Zé". Cada vez mais eu acho que eu sou o que fizeram de mim. Tudo me desmotiva. Bom mesmo era eu ter começado a beber ao invés de fumar, que me saía mais barato. Eu até já tentei, mas não consigo: duas latinhas e eu já tô dormindo. Antes eu fosse gordo com um bom motivo...
Ah, me incomoda, sim, não tem como dizer que não, mas eu também nunca fui gostosão pra saber como é. Eu sempre fui um cara mediano, nem pernilongo, nem penislongo, sabe como é. Agora só é que eu tô barrigudinho e tudo o mais. O problema é que a tendência é piorar. Eu precisava mesmo era fazer exercício, né? O duro é achar alguma coisa que eu goste. Porque uma coisa é fazer dieta e ir praticar esportes e o caralho a quatro. Outra coisa é fazer isso por um mês inteiro e no final de semana. Amigo, quando o cara entrega uma pizza com borda recheada às cinco da manhã, por menos de cinquenta conto — pizza, esta, a qual me alimentará não só por um, mas por dois dias —, não tem condição. Vou encher a geladeira de potinho com brócolis e peitinho de frango agora? Não tem condição, né? Esse povo doente que vem com aquele papinho de "blé blé blé, você precisa comer frutas, pi pi pi, pó pó pó". Ah, meu amigo, vá é tomar bem no meio do seu cu. Nem bicho come fruta. Macaco de zoológico só come bolacha recheada. Não dura um dia na geladeira essa merda. Vou agora descer todo dia pra comprar fruta, porque o dia tem trinta horas e o papai Noel é gordo porque quer. O desgraçado trabalha, diferente dessa cambada de filho da puta que ganha a vida postando foto sem camisa na internet. Perdão o desespero, mas isso me deixa puto demais. Se eu tivesse o tempo, a grana e a disposição de descer todo dia pra comprar comidinhazinha "fit" e preparar minha marmitinhazinha com porçãozinhazinha numa balacinhazinha, eu não tava gordo, caralho! Se tivesse um gorila musculoso me forçando a ir pra academia todo dia, era fácil, pô. Mas ou eu pagava ele, ou eu comia também, porque esses caras cobram fortunas. E além do mais, por enquanto meu foco é parar de fumar...
Nossa, foi catártico isso. Assustador, mas bom. E por algum motivo agora eu me lembrei da Ana Maria Paixão... acho que logo vou conseguir terminar aquele livro que falei, sabe? Nossa, como ele tá me fazendo bem. O protagonista também tá tentando parar de fumar, mas pelo jeito no fim ele não vai conseguir. Tô num capítulo em que ele reencontra a paixãozinha de infância e tudo o mais. Acho que por isso me lembrei da Ana Maria Paixão. Chegando em casa vou tentar descobrir o que é feito dela... Eu? Ah, não penso muito sobre isso, não, é que essas primeiras paixões a gente nunca esquece, e o negócio do cigarro é que é bom ver que bastante gente tem o mesmo problema, sabe? Mas não sei, eu gosto do protagonista e tudo o mais; apesar dele ser meio merda às vezes, eu me identifico, sabe? O que é esquisito é ele falar umas paradas nada a ver com a personagem, sabe? Tipo, o cara fala tudo abreviado, tipo "tô", "tá" etc., e só porque é um jornalistinha que leu dois livros até a página cinquenta o cara manda umas referências de psicanálise, acho nada a ver, não estabelece relação de verossimilhança numa história de narrador autodiegético.
De todo modo, gostei dessa sua sugestão. Mas não sei dizer mesmo por que razão, exatamente, me identifico com o cara. Ou por que tanta gente se identifica, né. Talvez seja porque todo mundo que fuma tá tentando parar. Ou a gente é um bando de merdas que se acham especiais. Brincadeira, mas certeza que se o Otávio tivesse aqui já ia mandar um "pi pi pi, pó pó pó, Niti, Niti, Aristótele, blá blá blá". Perdão rir sozinho assim, eu tenho esses acessos de idiotice mesmo. Enfim, vou pensar mais nisso e comento semana que vem. Tava considerando me desafiar a ficar um dia sem fumar, pra fumar tipo de um em um, sabe? Será que rola? Só de pensar já me vem uma coceira no corpo que dá vontade de fumar. Queria falar hoje também do negócio do Luigi, irmão da Júlia, porque pelo jeito a coisa tá esquentando, mas como já tá dando o tempo, vou tentar descobrir mais alguma coisa e falo na semana que vem. Puts, é mesmo, e como a gente faz? Mudamos pra outro dia ou fica pra outra semana, então? É, esse horário da terça é o melhor pra mim, mas, tipo, sábado de manhã eu posso, se for bom pra você. Tinha me esquecido totalmente desse feriado, ainda bem que você falou. Por mais que eu venha há só um mês, sinto que tá me fazendo um baita dum bem vir aqui. Essas últimas duas semanas que eu desandei com a coisa do cigarro, mas vou entrar nos eixos, prometo. Sim, sim, eu sei, eu sei, não preciso, mas gosto de prometer. Beleza, até semana que vem, então, e, se eu chegar feliz, ou é porque eu ganhei na mega sena — ou porque o Haroldo morreu!
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