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EX NUNC, um romancete - 18ª Sessão

Atualizado: 21 de abr. de 2020

18ª Sessão


Oi, boa tarde. (Vou ter que tirar os sapatos de novo, um segundinho. Pronto) Então, eu tava pensando uma coisa nos últimos dias, que ficou na minha cabeça por causa da sessão passada e de como venho me sentindo e tudo o mais. Como é que um cara tipo o Haroldo pode ser casado? Porque, assim, vamos dizer que eu seja mesmo meio merda. Mas e ele, cacete? Como é que pode? Isso não entra na minha cabeça.


O quê? Isso, caramba. O fato de ele ter alguém que o escolheu, dentre todas as pessoas disponíveis no mundo, pra jurar amar pra sempre, na saúde e na doença e blá blá blá. Como pode um negócio desses? E o pior: não dá nem pra imaginar que um ser humano desses conheça ao menos a definição de amor do dicionário. E tudo bem que eu não sou nenhum expert, mas, pô, dureza. O Haroldo é muito verme, não tem condições.


Vou te dar outro exemplo, então: o Pai e a mãe (coitada...), que eu conheço, literalmente, desde que nasci. Nunca vi nenhuma manifestação de afeto ou carinho etc. Mesmo assim, se junta uma rodinha de família em festa de fim de ano, volta e meia surgem as histórias de início de namoro e não sei mais o quê, e alguém sempre manda uma de "ah, os mistérios do amor" e tudo o mais. Que amor? Como pode uma coisa dessas? Ficou todo mundo maluco?


E precisa de mais motivos pra isso me tirar do sério? Não basta o fato de ser tudo de mentira? Ah, eu fico passado com essas coisas. E enquanto isso eu tô aqui, sozinho, apesar de genuinamente ter amado a Júlia e vice-versa. Porque duas pessoas não ficam juntas por uns anos de bobeira, ou por falta do que fazer ou confusão de sentimentos ou eu sei lá — é amor, tem que ser. E quem se ama, se ajuda. Agora, vai me dizer que o Haroldo ajuda a esposa indo no puteiro? Essas merdas me revoltam.


Esses silêncios são realmente táticos... Alguns minutos sem falar nada e é como se eu tivesse me tornado um monge tibetano. Perdão pela explosão, aqui — é que fico revoltado quando percebo que não importa o quão merda as pessoas sejam, invariavelmente fica tudo bem. Parece que não tem vantagem nem motivo algum pra se ser uma boa pessoa, sabe?


Ah, me considero, sim. Não a melhor de todas, mas uma boa pessoa acho justo dizer. Eu não maltrato ninguém, não sacaneio ninguém, abuso etc. Acho que o único mandamento, até, que eu quebro é o de cobiçar a mulher dos outros, mas isso também só porque tem muita atriz e celebridade seminua por aí que são casadas ou coisa do tipo (eu ia dizer "que têm dono", mas soa péssimo isso, né?).


A Júlia? Ah, no meio disso tudo acabo pensando na gente. Acho que podíamos ter nos resolvido civilizadamente, sabe? Quando ela some assim, de repente, faz parecer que a gente já vivia uma mentira há algum tempo. Acho que falei disso semana passada ou na outra, já: é esse choque de realidade o que mais dói. Porque você meio que passa a vida toda acreditando que vai encontrar alguém pra amar e que essa pessoa tem o poder de sanar suas dores, curar seus vícios, "te completar", sabe? Como se isso validasse que você, sozinho, não é suficiente. E aí tudo o que você vive quando tá com alguém acaba reforçando essa ideia. E, do nada, essa pessoa vai embora. E, como é o caso, alega que você é uma merda e tudo o mais e nem sequer se desculpa depois e só te apaga da história da vida dela.


Eu às vezes me pergunto como eu apareço na narrativa dela, sabe? Na narrativa de todo mundo, na verdade. O que será que o Otávio, a Júlia, o Pai, a mãe (tadinha) e até o Haroldo pensam de mim? Será que eles ao menos pensam em mim? Acho que pra mim isso tá sendo a pior parte de não estar mais com a Júlia.


Ah, isso de não ter mais a falsa certeza de que no mínimo uma pessoa pensa em você com carinho, se preocupa, sabe? Nossa! E eu nem falei ainda direito do que pensava esses dias. Mas tem tudo a ver com isso. Tava pensando que essa ideia de amor que eu tenho só me faz sofrer mais. Porque é como se ficasse pra essa minha outra metade a responsabilidade de me salvar. É como se eu esperasse que alguém fosse me salvar e nunca agisse em meu favor.


Não só nisso, falo em termos gerais mesmo. Até de começar a vir aqui, por exemplo. Acabou se tornando uma maneira de botar nas suas costas essa coisa de parar de fumar. Porque, pensa: mesmo se eu não conseguir, vou poder simplesmente falar que a terapia não funcionou e a culpa é sua, talvez eu devesse procurar outra pessoa de outra vertente ou qualquer coisa do tipo.


Tô me sentindo encurralado, sabe?


Ora, porque, se eu digo que a terapia não funcionou, mas já tendo chegado à conclusão, aqui mesmo, de que pra eu parar de fumar tenho que fazer uma escolha, vai ser sempre culpa minha essa coisa toda de não conseguir o que quer que seja. E era muito mais fácil antes, quando tudo era culpa do vício, da nicotina etc. Me pego tentando justificar, com dados de pesquisas de internet e sei lá mais o quê, o poder da nicotina e quantificar a sua força e tirania etc., só pra sentir como se ainda não ter conseguido parar de fumar não fosse culpa minha. Mas eu sei que é. Todo mundo sabe. O problema é que eu não consigo ir além disso. Eu simplesmente aceito que a culpa é minha e que eu sou o problema e, de repente, tô simplesmente reforçando todos os meus outros problemas e volto à estaca zero, só que com ainda mais bagagem e culpa.


(Hm...) A ideia é bonita, mas não dá pra acreditar que alguém aceita viver assim... Mas talvez isso seja só um daqueles tipos de coisa como era a questão do cigarro pra mim. Eu nem considerava a possibilidade de uma vida sem fumar. Vai ver isso é possível, mesmo. Mas eu já tô tão cansado disso... Eu só queria voltar a viver e lidar com os problemas da vida normal. Parece que eu transformei o cigarro num monstro muito maior do que ele realmente é, sabe?


Sim, tem isso. E tem também que eu sei que o cigarro mata e faz mil e uma outras coisas ruins pra mim. Mas, se eu não ligo pra mim o suficiente pra me preocupar, a culpa vai ser do cigarro? É nessas horas que me sinto num beco sem saída. Porque as respostas eu tenho, sabe? Mas vontade de lidar com elas, de sair do lugar... E o que mais me faz sentir idiota é viver tirando sarro de quem faz promessa de ano novo todo ano, como se de um dia pro outro tudo o que você não fez nesse ano fizesse perfeito sentido pra você fazer no ano novo, sendo que você é ainda a mesma pessoa inútil de merda. E eu vivo basicamente assim...


Ah, só aqui mesmo, quantas promessas já não "me" fiz? "Daqui pra frente," isso; "de agora em diante," aquilo. Viver feliz assim era tão mais fácil... me bastava lidar com uma pequena frustração aqui e outra acolá.


Pra dizer bem a verdade: eu acho. Acho bem, bem mais fácil viver nesses ciclos de ignorância do que viver me sentindo como eu me sinto agora. Isso me fez pensar agora naqueles livros que li e que o Otávio comentou. Será que ele também se identificava neles? Ou será que ele só lia meio com olhar de antropólogo e achava aquilo triste? "Nossa, será que as pessoas vivem mesmo assim? Que ultraje, ó, meu deus, quanta ignorância!" Elas se sentem, Otávio. Ao menos eu me sinto. Talvez você soubesse se... tô sendo injusto de novo, ele se importa. Mais do que eu, pelo menos, que acabei de perceber que não pergunto nada pra ele e não quero, na verdade, saber de nada da vida dele. Eu simplesmente assumo que ele é muito mais feliz do que eu e fico com raiva dele por não querer saber mais sobre a minha vida de merda em que nada acontece...


É, eu sei, eu sei. Tá difícil mesmo nessas últimas semanas. Fico ou puto ou deprimido e nem consigo terminar de falar o que eu queria. Isso, eu ia falar das personagens lá. Me faz pensar que eu sou tipo uma delas e me traz ainda uma dúvida que mais me pesa a cabeça: quando, no final, decidiam continuar vivendo a vida numa situação quase igual à do momento em que começaram, será que, pelo menos no fundo, no fundo, elas sabiam que o que tavam fazendo era uma escolha? Eu só fico pensando nisso. Porque, todo santo dia, me vêm à cabeça um milhão de possibilidades diferentes, de sonhos pro futuro, de coisas que eu posso fazer se eu simplesmente me esforçar só um pouquinho. Mas eu nunca me esforço. Ou melhor, o único esforço que eu faço parece ser o de me manter nessa situação de merda, às vezes.


Ah... que bom que acabou. E vou pensar nisso, não se preocupe. Tô cansado de não tomar atitude nenhuma. Essa semana vou decidir o que fazer da minha vida e ir à fundo nisso. De agora não passa, eu não aguento mais. Vou mudar. Enfim, boa tarde. Até semana que vem.



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