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EX NUNC, um romancete - 17ª Sessão

Foto do escritor: Algum LucasAlgum Lucas

Atualizado: 21 de abr. de 2020

17ª Sessão


Boa tarde. Olha, antes de tudo, eu queria confessar que semana passada eu mandei muito mal. Você provavelmente deve ter percebido a diferença na qualidade dos textos e tudo o mais, mas mesmo assim eu preciso confessar. Eu não sei por que fiz isso, nem me orgulho do que fiz. Talvez, eu acho, eu só queria que você me elogiasse essa semana ou algo parecido. E eu sei, eu sei, não precisa falar nada, não é pra isso que você tá aqui, mas é a única pessoa que leria alguma coisa que eu escrevi (supostamente escrevi, nesse caso), e eu acho que o que eu mais quero agora é me sentir amado, sabe? Sentir que eu importo, que alguém liga pra mim, pro que eu quero, pra quem eu sou.


“Por quê?” Ora, "por quê?" Não é isso o que todo mundo quer? Se uma pessoa chega e diz que esse é o sentido da vida, ninguém pestaneja, e muita gente até concorda. A verdade é que eu tô me sentindo muito envergonhado. Foi um ato de humilhação um pouco velada, sabe? Velada, porque só você vai saber disso, mas, ao mesmo tempo, ainda mais humilhante porque eu me pergunto se você não comentaria isso com quem mora com você, ou usaria de lição de moral com filhos ou coisa do tipo. E você nem sequer usa aliança, eu sei, mas é que a minha cabeça começa a funcionar sozinha, e eu desespero. Só queria conseguir chegar aqui e falar sobre o cigarro, mas parece que tudo na minha vida se tornou um problema muito maior do que o cigarro. A vida parece que se tornou um problema, sabe? E o cigarro sai na história como uma solução.


Ah, claro que não, não quis colocar nesses termos, tão literalmente, mas o cigarro acaba ficando mesmo como sintoma de uma situação de merda, e aí ele deixa de ser o problema.

É, sim, mas então você tá confirmando o medo que eu trouxe semana passada: o problema mesmo sou eu. E isso é justamente o que eu não queria ouvir. E eu entendo que talvez você esteja me assistindo driblar essa resposta desde o início, mas, poxa, convenhamos que, se for verdade isso, que merda, né? Aí o que que eu faço? Deixo de ser eu? Nessas horas queria ser menos covarde e ter coragem o suficiente pra chamar a atenção falando de suicídio e tudo o mais, mas eu gosto demais de fumar pra isso... Brincadeira sem graça, outra vez... eu sei, eu sei...


Que silêncio. Não tem nada em especial que você queira me perguntar ou coisa do tipo? Nem me lembro direito do que falei nas últimas sessões. Sinto como se eu tivesse caído do ápice da minha felicidade pro fundo do poço. De repente eu tava sem fumar, todo transão em suíte egípcia com a namorada, e — pei! — sozinho em casa, chorando com cigarro aceso na boca.


Ah, sobre isso, antes de te responder, vou parar com esse negócio dos textos, tá? Não tá funcionando isso pra mim. Já deu o que tinha que dar. Sei que a intenção foi das melhores, mas foda-se essa história toda de escritor, de poeta e, se bobear, até de comediante. Tô pensando a sério sobre isso. Mas o que você tinha perguntado mesmo?


Ah, verdade. Resumidamente: não. Só que eu até pensei em reimplementar a coisa do maço de cigarro molhado e tal, porque, por mais nobre que seja o papo de ter que fazer a escolha e blá blá blá, eu provavelmente ainda não esteja forte o suficiente pra fazer isso sozinho, por mim mesmo, sabe? E isso sem contar a coisa toda da Júlia e tudo o mais.


Vai bem, até. Andei pensando sobre o que eu tô disposto a fazer pra sentir que eu mereço alguém, sabe? Me veio na cabeça a coisa dos concursos e tal, promotoria. Vai ser osso, mas ao menos com essas patifarias de prova eu sempre soube me virar quando precisei. O que é mais foda nesses concursos é ter que fazer cursinho preparatório e tudo o mais. Sempre uma nota. Eu praticamente ia trabalhar pra poder estudar pra passar (muito quem sabe talvez improvavelmente). Sacanagem, isso eu acho de verdade que eu consigo. Só um pouco de dedicação.


Acho a minha "narrativa" bem consistente, na verdade, se fosse pra eu defini-la. Primeiro, porque ela tem um foco, sabe? Eu quero ser alguém na vida, quero realizar meus sonhos, não quero ser só um banana que se satisfaz com o que deram ou sonharam pra ele, entende? Porque eu vejo as pessoas seguindo assim com as suas vidas e isso me deprime, mas ao mesmo tempo me causa inveja. Assim, inveja porque, modéstia à parte, eu sou um cara meio excêntrico. Acho que até pra você eu devo ser meio que um espécime bem interessante. Não tenho uns problemas genéricos de sofrência e tudo o mais. Se for ver bem, eu sou bem resiliente pra quantidade de coisas que me aconteceram: tragédia na família, vício, término de relacionamento, a luta pelos sonhos etc. etc. Imagino que a maioria das pessoas só venha e fique reclamando do fulano e o ciclano e o beleléu. Pouca gente se dispõe a lutar por algo, com unhas e dentes.


Assim, eu não definiria minha luta em termos cinematográficos, mas acho que dá pra dizer que ela se compara à coisa toda da via crucis, mas uma via crucis artística, sabe? Talvez daqui a um ano os meus problemas aqui sejam justamente "como me relaciono com gente tão comum assim?" ou algo parecido. Porque nós, no presente, nunca sabemos.


Acredito sim. Ainda mais porque, se a gente para pra pensar nos problemas que eu tinha quando cheguei aqui e compara com os de hoje, são completamente diferentes. Como se, por exemplo, a coisa do cigarro fosse só uma fachada, o sintoma (acho que já falei disso semana passada) de um problema muito mais... mais... (que merda, esqueci a palavra. Tem um pouco a ver com enfiado, infiltrado, no sentido de ser in)trínseco à vida de hoje em dia mesmo (graças a deus me lembrei).


Não sei, acho que isso seria responder um dos maiores problemas contemporâneos. Vai ver é isso que aquele monte de livro merda fica tentando dizer (Tá bom, é verdade, tô sendo injusto, eu gostei dos livros, só tô irritado de ter me identificado e gostado tanto, eu acho).


É, eu não diria assim, mas serve. São pessoas que tão tentando lidar com seus problemas como elas podem e, por algum motivo, acreditam que a arte vai ajudar ou que um vício faz parte do processo, ou eu sei lá. Mas o que me deixa puto é que, se todo mundo se identifica quando lê, é porque tá todo mundo com o mesmo problema, e essa arte aí não tá resolvendo. Vi um dia desses um stand-up gringo (meio bandeirista demais às vezes, mas gostei) em que a comediante fala que vai parar com a coisa toda da autodepreciação e tal. Achei bem legal. Me fez pensar que eu talvez devesse me importar um pouco mais comigo mesmo se eu quero que alguém se importe. Mas aí vem aquela coisa de que me sinto um adolescente reclamando aqui, acho a coisa toda ridícula e acabo me sentindo ainda mais merda.


Acho que o cerne do problema é mesmo esse: ainda me sinto um adolescente. E o que eu mais odeio é ter que admitir que eu sei — eu sei: se eu me sinto um adolescente, a gente precisa falar da minha adolescência e reconhecer que, nela, pode ter havido alguma coisa fora da curva, algum momento turbulento, talvez, em que eu tive que me recolher pra dentro de mim e criar vários mecanismos de defesa. Talvez seja isso, ou ao menos algo parecido.


Bom, tá na hora, mas, pensando sobre isso que você disse, acho que é justo sim eu não saber o porquê de me sentir assim. Mas o fato é que me sinto, e você entendeu bem as entrelinhas do que eu quis dizer. Venho tendo a sensação de que tudo na minha vida é intercambiável, tudo é sempre a mesma coisa, mas com nomes diferentes — especialmente eu. Essa é a pior parte: ultimamente me sinto como se todo mundo seguisse em frente menos eu, como se eu tivesse ficado preso e sozinho no momento da minha vida em que eu mais precisava de alguém, em que eu mais precisava crescer. Mas aí vem o maior problema: se eu não mudei, toda a minha vida eu tinha que estar crescendo junto dos outros, e o que aconteceu foi isso de eu ficar sozinho à espera de alguma coisa que fosse mudar o mundo e me fazer mudar à força. Como se eu vivesse à espera do apocalipse... Nossa, tô bem cristão hoje, né? Nunca é um bom sinal. Enfim, obrigado por hoje e por aceitar sem problemas a coisa toda do texto. E desculpa, sei que vai dizer que não preciso, mas desculpa. Bom... até semana que vem.



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