EX NUNC, um romancete - 15ª Sessão
- Algum Lucas
- 24 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 21 de abr. de 2020
15ª Sessão
Oi, boa tarde, tudo bem? Sim, tranquilo. Aqui o cheque e os papéis (o papel, na verdade). Ah, uma coisa: não consegui escrever o bit que falei semana passada. Não sei o que tá acontecendo, mas parece que não consigo mais escrever bits. Isso tá me deixando muito frustrado. E não sei se tem muito a ver com isso, mas ultimamente venho sonhando mais e acabou que tive um pesadelo horrível, aí eu percebi que nunca tinha te contado um sonho aqui, sabe? E já tive uns cabulosos desde que comecei a vir aqui. Bom, vou contar então, mas dá um medo de você descobrir umas coisas que, sei lá, vai ver eu mesmo tento esconder de mim e tal, sabe? Esse negócio de interpretar os sonhos e tudo mais me parece meio bruxaria, pra dizer a verdade, mas tudo bem, vamos lá.
Então, eu não sei muito bem como é que o sonho começou, acho que nunca me lembro dessa parte, mas sei que eu tava caindo do céu, sem paraquedas, sabe? E o pior: eu tava peladão. Nossa, que vergonha de contar isso... Enfim, mas não é só isso. Eu tô peladão lá, caindo do céu (não sei muito bem te dizer se era dia ou noite, na minha cabeça parece que às vezes era um, às vezes, outro, sabe? Mas, se eu fosse chutar, diria que era noite), quando, de repente, ouço uns tiros de metralhadora (cruzes, que ridículo isso, mas eu gelo só de me lembrar). Aí eu olhei pra trás (que na verdade era pra cima) e tinha um militar parrudo, de uniforme e tudo, meio que me perseguindo, sabe? (É estranho pensar que ele tava me perseguindo durante uma queda livre, mas na hora fazia sentido pra mim) Enfim, aí ele atirava e atirava, e eu ficava cada vez com mais medo, até que, do nada, quando eu tô olhando pra trás (não sei se foi tiro ou não), sinto uma dor esquisita na boca (cruzes, que aflição me dá de pensar nisso de novo), e meus dentes tão meio que se descolando da minha boca, sabe? E eu vou meio que assistindo eles se soltarem da minha boca e meio que saírem voando pra cima enquanto eu caio, sabe? Então, finalmente (depois de uns dois, três dentes), sinto que um dos tiros vai me acertar, e me viro desesperado, dando as costas pra bala, quando — pei! — é o chão. E foi isso. Acordei na hora, ofegante como se eu tivesse corrido uma maratona, sabe? Suando frio até. E (sei que isso deve ter alguma explicação psicológica terrível e tudo o mais) senti como se tivesse morrido no sonho, sabe? Foi horrível. Isso tudo eu sonhei na virada do sábado pro domingo. Levantei e fui fumar um cigarro pra espairecer.
Puts, mas aí você me complica. O que eu acho? Bom, eu não acho é nada, tava mesmo é esperando saber o que você achava da coisa toda, porque pra mim isso tudo aí é coisa de maluco. Um paraquedista sem paraquedas, pelado, perseguido por um militar que erra os tiros, mas te faz perder os dentes e morrer batendo no chão? Se você ouviu o que eu acabei de falar, entendeu o porquê que eu acho que isso é coisa de maluco. Imagino que tenha algo a ver com aquelas histórias de inconsciente, subconsciente, pseudoconsciente, édipoconsciente, xablauconsciente e por aí vai. Mas achar eu não acho nada, mesmo. Tudo bem, pode perguntar, acho que deve ser melhor mesmo, porque eu fiquei meio desorientado com o sonho, não consegui tirar sentido dele até agora.
Bom, o que eu mais tenho medo é de virar os meus pais, eu acho. De não conseguir perceber o quão merda eu realmente sou e minha vida realmente é, sabe? Hm... acho que entendi onde você quer chegar. Você diz tipo como se eu tivesse correndo desse militar, que representa o Pai, no sentido em que eu tô tentando não virar ele? Mas me parece meio preguiçoso isso daí. É, mas isso que você disse faz sentido (e o tal de subconsciente aí bem que me parece mesmo a parte preguiçosa do cérebro). Mas e os dentes? O que eu quero entender logo mesmo é essa parada dos dentes. Que sensação asquerosa (puta que me pariu!), o que significa essa parada dos dentes?
Ah, poxa, não faz isso comigo... você estudou esses negócios, não pode só me dizer direto o que significa? Tá bom, tá bom (mas já aviso que vou dar uma de espertinho chegando em casa e procurar na internet pra depois ficar pensando nas perguntas que você tá me fazendo). Então show, vamossimbora. O negócio dos dentes caindo me fez sentir asco. Próximo. Brincadeira, brincadeira. Acho que me fez sentir desarmado mesmo, meio bebezoide, não sei bem explicar. Só lembro que fiquei apavorado no sonho, tipo "caralho, Jesus, Maria, João, quequetáconteseno?!" É, isso serve, me senti impotente. Assim: como se já não bastasse eu estar nu, ainda tinha que ficar desdentado?! Foi tenebroso esse sonho, de verdade. Poucas vezes na vida me senti tão mal assim com uma parada que sonhei.
Ah, deixa eu pensar... Acho que não, não me aconteceu nada grandioso nem muito significativo naquele dia. Bom, teve que eu recebi uma mensagem da Júlia dizendo pra eu parar de correr atrás dela, de mandar mensagens e tudo o mais. E nem tava num tom agressivo, era mais mesmo um "Por favor, me deixa em paz, seu verme." O "seu verme" aí foi adição minha, mas acho que tava nas entrelinhas, sabe? Ah... não é que ela tenha me magoado com isso, sei que a essa altura também já não tem mais o que fazer, mas sabe como é, né? É a mesma coisa de começar uma dieta: você sabe que é pro seu bem, mas não consegue se livrar daquela vontade no fundinho da cabeça de que aconteça alguma coisa, tipo um enterro, sei lá, só pra você ter uma desculpa de comer um pastelzinho ou um bolinho de chocolate, qualquer coisa.
Então, eu achava que o que ia me fazer mais falta era o sexo, né?, porque a gente sempre se imagina homão da porra e tudo o mais, mas, pra ser bem sincero, a gente nem transava tanto, e, com o pornozinho nosso de cada dia, nem tem muito prejuízo. Olha, pra ser bem, bem sincero mesmo, na maioria das vezes, o pornô era melhor que o nosso sexo, sabe? Meio estranho falar disso, porque imagino que todo mundo deve preferir a coisa real, mas acho que deve ter algo a ver com a criatividade e tal, porque aí você consegue se colocar de tal maneira no lugar da outra pessoa que acaba sendo mais legal imaginar o sexo do que fazer de verdade, né? Bom, vai entender. Mas, enfim, o que mais sinto falta mesmo é saber como ela tá, poder ajudar nas coisas dela, o cheiro que a pele dela tem... Às vezes fico triste só de pensar que nunca mais vou vê-la e que logo mais ela já encontra alguém mais tudo do que eu, e eles vão contar piadinhas maldosas entre si tirando sarro do ex-namorado escroto dela e tudo o mais... Mas enfim, já estourei o tempo hoje, semana que vem vou tentar não sonhar nada idiota assim pra termos uma sessão mais normal. Desculpa mesmo a maluquice hoje, mas esse sonho mexeu comigo. Até semana que vem!
Anexo: Textos que Zé trouxe à 15ª Sessão
Agora? Agora são autodepreciação e meia
Se toda vez que batesse a atimia eu escrevesse
até me esqueceria de comer
— ou não, já que, mesmo escrevendo todo dia,
lembro sempre de me foder.
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